terça-feira, 29 de janeiro de 2008



A chuva segue caindo e bate no parapeito da janela. O cheiro, o frio, o mato molhado criam purpurinas que ornam a poesia natural do momento. O lençol está emaranhado e o corpo ao lado descansa. A mim, só resta manter os olhos e os sentidos completamente escancarados pra não perder nenhum detalhe. Nenhum pingo que cai (porque a chuva nada mais faz do que purificar), nenhum roçar de lençol (porque arrepios nem sempre são passageiros), nenhum cheiro (porque quando te cheiro não é pra sentir teu perfume, é pra te trazer um pouco mais pra dentro de mim).
Essa cidade respira carnaval e eu, andando por aí quase como quem dança, vejo cores que nunca vi, sonho flores que nunca senti. Como se o chão caminhasse por minhas pernas. Como se a qualquer passo eu corresse o risco maior da queda. Porém o medo de quebrar o nariz é rapidamente substituído por tuas palavras no visor do celular. Sou feita de coca light, o gás escala ladeiras.
Olho pro Cristo como se ele fosse se atirar assim, de braços abertos, sobre a Baia de Guanabara. Mas chove. Não é dia pra isso. Olho pra mendigos como se fossem sorrir pra mim, mas é frio. Olho pro chão como se tudo fosse uma festa, mas são só as serpentinas do pré carnaval de Ipanema. Tiro os sapatos. É preciso ter cautela ao pisar em terreno desconhecido. É preciso aguçar os sentidos pra sentir o piso.
Chego a casa. Espio pelo buraco da fechadura. A luz acesa, a TV ligada, vozes que não conheço. Volto pra rua. De pés descalços largo a bolsa (antes acendo um cigarro). Jogo longe o guarda chuvas (peso demais carregar um telhado pra não se molhar). Tiro o casaco e sigo pro mar. Mesmo sem pôr do sol, mesmo sem calor, mesmo sem barraca, cadeira e biscoito globo, me atiro, de olhos fechados sem saber nadar.

7 comentários:

gregory haertel disse...

'peso demais carregar um telhado pra não se molhar'.
deixa a chuva cair... uma hora há de secar.
beijo. texto lindo.

Rafael Koehler disse...

A chuva segue caindo por aqui também. Não há o Cristo de braços abertos, não há o pré-carnaval, nem a praia... porém há a Sommerfest (mini oktober), há os amigos, e o perfume novo...
"A chuva nada mais faz do que purificar" e isso é o essencial nesses dias de garoa.
Estou apaixonado pela água nos últimos meses e acredito que ela é o exemplo de purificação e a chuva ajuda nisso.
Estou com muito desejo do Rio de Janeiro, do mar, dos belos corpos a caminhar no calçadão e principalmente do samba... um dia mato essa vontade.
E viva a chuva, o carnaval e o risco de quebrar o nariz (adoro!)

gosto muito de passar aqui. me encontro com seus textos. hehehehe

beijões. (e aproveita o carnaval no Rio por mim).

Dona Baratinha disse...

Sim, está fantástico!
Amei especialmente a frase do guarda-chuva, ops, não só eu!
Beijos enormes, cuide-se e molhe-se e permita-se e mergulhe-se, sempre!

Anônimo disse...

Texto maravilhossssssso, pra uma foto que combina perfeitamente .. também quem foi a fotografa né ?!
cuidaaaaa amiga cuida !

Jaguarito disse...

o teu cheiro se exala por meio de pingos de chuva que, centrifugados pelo girar constante de tua saia rodada, atingem os corações daqueles que, mesmo longe, se banham de alegria ao lerem tuas palavras sempre cheias de vida.

a chuva, agora, tem imenso sentido.

beijos

Ricardo Soares disse...

oi paula... achei seu blog meio por acaso e gostei bastante... também por conta de um trabalho novo estou morando no rio... vc mora em que bairro ? aqui não diz mas vc me dá a impressão de ser a atriz do filme "o cheiro do ralo", procede ??? o livro é muito legal, o filme também e vcs todos estão muito bens... se não for vc a atriz do filme o elogio vale para o filme né?? beijo
ricardo

Ricardo Soares disse...

onde se lê bens, leia-se bons
hehe
bj