
Foi ao cinema. Queria ver um filme do Fellini. Achou lindo o cartaz “La Dolce Vitta”. A menina adora cinema e o pipoqueiro já a conhece: “Doce ou salgada?” Meio a meio. Doce no fundo e salgada em cima. Gosto de terminar com gosto de caramelo nos lábios. Ah, e me vê também um pirulito, de coração, acho que combina com o filme!A doce vida! Adoro!”O velhinho riu. Entrou. Sentou na oitava fileira. E o filme começou.
“O que penso servirá amanhã. Uma arte clara, limpa. Que não mente, não adula... Penso no amanhã.”
E a mulher responde.
“Se alguém vive intensamente na plenitude espiritual um instante vale um ano e, a cada ano, rejuvenesce cinco. Vocês pensam demais no futuro. Parece tão diferente... o que faz em seus dias? Quero dizer, do que gosta mais?”
“Eu não sei, e a senhora?”
“Eu sei muito bem. Das três grandes fugas: fumo, bebida, cama.”
“Sua sabedoria seria isso?”
“Você lê meus versos e não me compreende. Você é primitivo. Primitivo como agulhas góticas. Tão alto que não pode ouvir voz alguma.”
A menina arregalou os olhos, não entendeu direito, mas achou lindo.
“Não creia na satisfação fechando-se em casa como eu. Sou sério, não sou amador, mas não chego a profissional. A vida miserável é melhor que, creia, uma existência protegida por uma sociedade organizada com tudo previsto, tudo perfeito. Só posso ser seu amigo, não tenho como aconselhá-lo”. O homem do filme andou mais uns passos e disse. “Às vezes, à noite, essa escuridão, esse silêncio oprimem. A paz me amedronta. Temo a paz acima de tudo. Parece apenas uma aparência que oculta o inferno. Penso o que verão amanhã meus filhos. Dizem que o mundo será maravilhoso. Mas como, se basta um telefonema anunciando o fim de tudo. Deveríamos nos libertar de paixões e sentimentos na harmonia da obra de arte realizada. Naquela ordem encantada. Conseguiríamos nos amar tanto e vivermos soltos além do tempo. Soltos! Soltos!”
A menina quer se libertar, mas seus dedos estão lambuzados com o pirulito. Babando e cuspindo sorri e diz: “felizes os passarinhos que amam voar e voam sem sentido. Queria ser assim, solta, me lançar de um penhasco sem o risco do arranhão. Jogar-me e ter, quando quiser, a segurança dos pés no chão”. Shhiiiii, foi o que ouviu na sala escura do cinema. Saiu de fininho (antes mesmo do desfecho final), pediu licença, escorregou, derrubou o pacote de bolachas do menino, machucou o dedo mindinho, engatinhou até a saída de emergência, o alarme disparou. “Bafão”, pensou. Saiu correndo e ria. Queria estar de mãos dadas, mas estava só. “Riso coletivo é ainda mais divertido”.
No caminho de casa achou um gatinho, branco, perdido. Colocou-o sobre a cabeça “quer pirulito?” e ele não quis “Por que chora?” e ele não parou “Quer morar comigo” e ele se agarrou nos fios de cabelo. “Pobre gatinho! Será que gosta de coca light?”
Chegou a casa, arrumou um potinho e alimentou o bichinho. Pensou um pouco no filme e sorriu. “A vida colorida faz muito mais sentido”.
“O que penso servirá amanhã. Uma arte clara, limpa. Que não mente, não adula... Penso no amanhã.”
E a mulher responde.
“Se alguém vive intensamente na plenitude espiritual um instante vale um ano e, a cada ano, rejuvenesce cinco. Vocês pensam demais no futuro. Parece tão diferente... o que faz em seus dias? Quero dizer, do que gosta mais?”
“Eu não sei, e a senhora?”
“Eu sei muito bem. Das três grandes fugas: fumo, bebida, cama.”
“Sua sabedoria seria isso?”
“Você lê meus versos e não me compreende. Você é primitivo. Primitivo como agulhas góticas. Tão alto que não pode ouvir voz alguma.”
A menina arregalou os olhos, não entendeu direito, mas achou lindo.
“Não creia na satisfação fechando-se em casa como eu. Sou sério, não sou amador, mas não chego a profissional. A vida miserável é melhor que, creia, uma existência protegida por uma sociedade organizada com tudo previsto, tudo perfeito. Só posso ser seu amigo, não tenho como aconselhá-lo”. O homem do filme andou mais uns passos e disse. “Às vezes, à noite, essa escuridão, esse silêncio oprimem. A paz me amedronta. Temo a paz acima de tudo. Parece apenas uma aparência que oculta o inferno. Penso o que verão amanhã meus filhos. Dizem que o mundo será maravilhoso. Mas como, se basta um telefonema anunciando o fim de tudo. Deveríamos nos libertar de paixões e sentimentos na harmonia da obra de arte realizada. Naquela ordem encantada. Conseguiríamos nos amar tanto e vivermos soltos além do tempo. Soltos! Soltos!”
A menina quer se libertar, mas seus dedos estão lambuzados com o pirulito. Babando e cuspindo sorri e diz: “felizes os passarinhos que amam voar e voam sem sentido. Queria ser assim, solta, me lançar de um penhasco sem o risco do arranhão. Jogar-me e ter, quando quiser, a segurança dos pés no chão”. Shhiiiii, foi o que ouviu na sala escura do cinema. Saiu de fininho (antes mesmo do desfecho final), pediu licença, escorregou, derrubou o pacote de bolachas do menino, machucou o dedo mindinho, engatinhou até a saída de emergência, o alarme disparou. “Bafão”, pensou. Saiu correndo e ria. Queria estar de mãos dadas, mas estava só. “Riso coletivo é ainda mais divertido”.
No caminho de casa achou um gatinho, branco, perdido. Colocou-o sobre a cabeça “quer pirulito?” e ele não quis “Por que chora?” e ele não parou “Quer morar comigo” e ele se agarrou nos fios de cabelo. “Pobre gatinho! Será que gosta de coca light?”
Chegou a casa, arrumou um potinho e alimentou o bichinho. Pensou um pouco no filme e sorriu. “A vida colorida faz muito mais sentido”.
8 comentários:
E como se não bastasse, para deixar a vida mais doce, a menina corre para se refrescar em uma fonte que encontrou no meio da cidade. Como se fosse um oásis...Realmente, a doçura é a vida da menina.
a tua menina (tu, a menina) tem (tens) uma perplexidade diante da vida feito uma amelie carioca (catarina). vê um filme e é como se catasse, no fundo do balde de pipocas, aquela meio doce meio salgada e a encostasse nas papilas da língua e separasse dela os sabores e fechasse os olhos e sorrisse (um sorriso da menina que ri). perplexidade quase reverencial. a menina observa a vida como um fiel que vai à missa. a menina acredita.
a menina tem elefantes nos olhos... e eu sou meio que nem ela... tudo impacta mais, tudo assusta, mas depois fica colorida como a vida e os potinhos de água, e os pirulitos, as caixinhas dde cigarro, etc...
adorei
beijoca e muita saudade
Ontem te vi no DVD de "o cheiro do ralo" e hoje procurei no google para saber quem tu és. Bom saber quem és uma menina que ri ;)
oi xuxu... coisinhas novas lá no chico linguica... e esperando nwes aqui quando fora a hora... beijocaaaaaaa
ah... pois eh... no fundo eu tô querendo me convencer de querer ser minhoca... mas tá difícil... rsss
como tu tá, xuxu??
Beijocas
hellokers...
a menina simplesmente fez bafão no cinema.
Tbm fui ao cinema hoje, e a moça da bilheteria sorriu e conversou horrores e a moça da pipoca me viu e disse: "Tá moreno!" e começou a contar da vida dela, que ela não tinha ido à praia e milhões de coisas...
e o filme era bom, mas ir ao cinema é o que há!
beijos,
to com blog novo. ano novo. blog novo. tudo novo.
a vida colorida é legal... não me lembro do arco-iris em p&b!
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