terça-feira, 20 de outubro de 2009

Os olhos da menina (pela menina que chora).


Se você sorrir ao passar e disser “tudo bem”, eu saberei que não está.
Se você der as mãos pra mim, limpas e lavadas, eu saberei o que se esconde sob sua pele.
Ao dizer-me “Bom dia” eu responderei “boa tarde” pois estarei à sua frente.
Se mentir for preciso, eu responderei com a verdade e esta talvez lhe doa.
Se receber um soco no estômago, nada farei, meu olhar te responderá como a pior agressão. Sua dor será maior.
E se me abraçares, estarei de olhos abertos olhando sobre seu ombro, pra dentro de você.
Porque eu sou como a obra que está no canto esquerdo da galeria e te provoco emoções fortes, porém sutis. Não sabes por qual entranha eu entro, simplesmente estou. E se de mim desviares os olhos e em seguida acenderes um cigarro, pode ter certeza que este será o fim. Tenho um raio dentro de mim. Tenho o mundo como uma página de um livro, fogo que arde e arrebenta ao universo. Eu sou, simplesmente. E nada além disso fará qualquer sentido.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Nossa paz. (Dedicado a Jeferson Miranda e Mateus, meu amor)



Hoje vejo um céu nublado. Nada de tristeza apenas a beleza da ausência da chuva. Caminho pelas ruas como se fosse poesia. Sorrio pra um homem que me entrega uma chave, reparo na blusa estourando um botão. Perco-me “pra frente ou pra trás” sigo. Vejo duas velhinhas saboreando um frango a passarinho, como se não fosse um frango, podia ser pipoca, mas o momento sorria como um domingo qualquer em um boteco regado a coca cola. Tão simples ser feliz, tão misterioso também. A gente é no momento em que tira a pele queimadinha da borda antes da mordida. Sigo olhando mais pra cima do que pra baixo, e vejo na padaria o fim da tarde que se abria, no momento em que a atendente embrulhava o pãozinho (tomara que esteja quentinho, já imagino o café com leite e a manteiga derretendo no cantinho da mordida. Tomara também que não caia no chão, expectativa interrompida ‘ainda bem que tem mais pão’).
No mercado o chocolate granulado, pedaços doces pequeninos que juntos tornam-se o melhor do bolo, do brigadeiro. A prateleira parecia mais colorida, o cheiro parecia transpassar do saquinho. “Eu queria te sorrir” pensei. Caminhei. E finalmente, a chave que abriu o portão do apartamento, era como se estivesses por lá, me servindo café e contando tuas histórias. Acolhi-me, lembrei do teu sorriso quando te conheci, da tua infantilidade bonita, do futuro que espero (mesmo olhando no presente a tua palma da mão e teu olhar quando está do jeito que eu mais gosto), e do teu coração tão perdido se achando em cada manhã do meu lado. A chave que me entregaram na rua, é só uma chave velha com um barbante comprido (do meu coração, disse alguém num texto engraçado, por ser piegas, e bonito por parecer real).

A minha chave (hoje igual a tua) é de te encontrar no fim do dia, é de te esperar de peito aberto (e de saudade), é de abrir o melhor que tenho em mim. Chorando ou sorrindo, fazendo manha ou fazendo bico, arrumada ou esculachada, cansada ou disposta, tanto faz. Como no céu de quem espera o sol do dia seguinte, nossa chuva é sempre nossa paz.

domingo, 31 de maio de 2009

A Outra Parte.





Pronta para saltar ao primeiro gesto. Por um momento fecha os olhos e ouve: música e silêncio maiores do que palavras podem dizer no ato de um precipício. Até que, num gesto súbito e natural, ele lhe aperta o braço. Já está nua e sente mais que cheiro e calor, mais que beijo e pele. Sente sem saber explicar, como se fosse apenas estar ali, dentre bananeiras, precipício e rua movimentada. Sente o assombro da pedra desmontando embaixo dos pés descalços, a mão que a segura firme pelos cabelos e a voz que lhe sussurra no ouvido esquerdo. Ela estica um pouco o pescoço para que exale também seu cheiro. Ouve: “Te atira”. “Me solta então, me deixa”. “Medo de que te arrependas, que te transformes após a queda”. “Me deixa o medo é meu e me sinto livre”, “te entrega”, “me solta”, “te atira”, “me permite então”, “voa”, “seguras a minha mão com teus braços longos, mas solta o meu cabelo pra que eu possa, com o vento, nua, solta, livre, sem nenhuma carcaça, asas cortadas de borboleta semi-morta, me atirar, desmedida”. “Por quê”? “Eu preciso”. “Por que?” “Quero gritar” “Grita!”, “me deixa, eu me atiro”.

Ele a solta. Olhos nos olhos “até breve”. Volta ainda pela necessidade de um último abraço, beijo contido, “eu te amo”, pensa, e se atira, linda, braços abertos, plena sem saber voar.

sexta-feira, 6 de março de 2009






Do escuro fiz meu céu. Fecho os olhos e não vejo estrelas. Fujo. Estranho perceber a solidão. Limpo da face o sorriso e viro de lado pra que não me vejas chorar. Não choro por ti. Não choro por nada. Odeio justificar. Não me pergunte e não me segure pelo braço. A porta é logo ali. Caminho até o portão sem pisar no chão. Duro demais para enfrentar a sola do pé esfolada. Grito sem palavras, falo sem nexo, finjo existir. Toco as grades da cerca como se fossem maleáveis a ponto de me deixar fugir. Céu. Estúpido sol. Estúpido dia azul.


Entre quatro paredes arranco a carcaça e fico. Só, suja, nua. Decoro frases, fumo um cigarro e como o último pedaço de bolo da geladeira. Na parede quadros. Dalí. No chão farelos. Formigas. No peito dor. Você.


Dias passam, noites passam, respiro e espero tudo parar. Como demora, preencho a existência como o que de mais ralo acho por aqui. Piadas nerds, romances baratos, filmes desprezíveis e comida congelada. Não entendo nada, tanto faz entender. Do muro que levantei nem cimento comprei. Nada está aqui. Eu não estou aqui. E minha alma é todo o pranto de decadência do mundo.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Memórias de uma carta extraviada.


Se as lágrimas separam nossos lábios grito ao mundo que se recolha em um grão de areia. Ouso enviar-te pragas, trovões, tempestades, tapas e ofensas. Vejo uma borboleta morta ao lado do pneu parado. Vejo-te chorar, te corto com os dentes até chegar ao teu mais fundo pesar. Eu grito. Eu tenho medo. Eu me perco dos sentidos e caminho. Dou as mãos ao tempo esperando uma resposta, a resposta não vem. Escuto-te como se não ouvisse, te toco como se não fosses meu, te beijo procurando nos teus cantos algum sentido. Mas não se machuque. Eu pouso delicados os dedos na tua face buscando um sorriso. O céu se abre quando sorris. Eu deito ao teu lado buscando o teu calor, me entrego aos teus longos braços e choro baixinho para que não percebas. Eu te amo. E se a vontade dos nossos corpos e, acima de tudo, das nossas almas for maior que a dor, que seja puro, novamente, o nosso amor.