sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Sobre os clássicos.


A menina assiste “E o vento levou” com os olhos por trás das lentes de aros vermelhos, vibra com cada lágrima de Scarlett O’Hara. Olhinhos grudados na tela. O coração batendo mais forte. “Jamais sentirei fome novamente” grita a protagonista. A menina chora.
A menina sente fome, as mãos tremendo ao segurar o copo com suco de abacaxi. Tenho medo, grita “TENHO MEDO”. A chuva cai incessantemente. A janela aberta permite que os pingos grossos molhem a almofada de coração. A menina quer se molhar, quer se entregar, quer se jogar pela janela sem sentido. Ri e chora num curto espaço de tempo, como numa rubrica de Tcheckov.
A menina lê, anda pela casa, fuma outro cigarro, joga fora pela metade “souza cruz é uma merda”. Ainda treme. Ainda grita. Ainda chora e ri como na peça.
Cansada da solidão pega o telefone e disca. “Queria dar boa noite”. É a única coisa que consegue dizer, a única. Sem acreditar na timidez, na paspalhice e na bobeira de qualquer apaixonada segue vendo o filme. “Não tenho paciência pra clássicos hoje”. Pega o telefone, finge que disca, finge que é ouvida: “Queria dizer que não sou tudo o que dizes, que sou ciumenta, sou chata, sou agressiva, tenho fortes TPMs que me fazem jogar vasos chineses contra a parede, que gosto de filmes que ninguém gosta, que tenho preguiça de fazer o que já deveria ter feito, que ouço coisas bregas, que comédia as vezes me deixa entediada, que vou ao banheiro de porta aberta, que choro em comercial mesmo achando piegas, queria dizer tantas coisas, meu cabelo é ruim e esse aplique me incomoda, estou gorda, que já não suporto mais ouvir que sou a bunda do filme, odeio gente metida a rica, odeio gente egocêntrica e que se acha especial por algum motivo, e minha unha do pé está feia e machucada (doendo pra caralho) porque saí correndo que nem uma louca pra te ver na TV. Queria dizer também que gosto de ti. Não sei quanto, não sei como se mede isso, mas tenho vontade de estar ao teu lado sem fazer nada, só abraçados, ou de fazer tudo. Que teu beijo e teu abraço são infinitamente bons, que teu cheiro é o mais doce, perigas ser descoberto por uma indústria de perfumes louca por um lançamento arrebatador. Merda! Queria dizer que também tenho medo, que estou assustada e normalmente já teria pulado fora. Tem umas 5 pessoas interessantíssimas me ligando pra sair, e eu dizendo ‘não’, sem entender ao certo o porquê. Agora queria ouvir você.”
Silêncio. O telefone estava com o descanso de tela, uma foto da menina sorrindo na praia. Fechou o celular pra não gastar bateria e foi pro quarto assistir ao resto do filme ao lado de um balde de pipocas, uma coca zero (preferia a light), só. A campainha toca, era o menino. “Dorme comigo hoje?” E a menina dormiu no lugar mais seu, sorrindo e chorando em curtos intervalos de tempo. Tcheckov adoraria.

9 comentários:

Dona Baratinha disse...

a solidão rodeada de pessoas...entendo você como se fossemos amigas de infância...quem sabe até somos, amigas de infância de amigas de infância...o mundo é doido, eu então, já desisti de ser normal.
choro e riso intercalado em rompantes televisivos, e definitivamente "SOUZA CRUZ É UMA MERDA".
beijos de filme

Anônimo disse...

final feliz!!
estar apaixonada, ansiosa, na expectativa nos faz lembrar que estamos vivos né?
todos estes sentimentos bons e ruins fazem...faz parte! é bom!

Helô Guesser disse...

lindaaa... a menina ainda vai ser mais feliz ainda... ela sabe, ela corre atrás, ela traz felicidade!
é só querer, é só buscar!
bons filmes!

Daniel Olivetto disse...

a-do-ro!!!

sempre me emociona entrar por aqui!

saudadona!

beijocas

Rafael Koehler disse...

Não é somente Tcheckov que adoraria. O menino também deve ter adorado.

A menina que ri e chora pode se sentir normal. Estar apaixonada novamente é algo bom e ruim ao mesmo tempo. Sentir o cheiro de um cara novo no seu quarto e gostar e se apaixonar e ter medo... é perfeito.
A menina vive a vida. E isso é o que importa. Vive a vida boa e a vida ruim, a única vida, a dela. Mas nunca se deixe jogar pela janela.

Estar apaixonado é algo perfeito. Eu adoro! Aliás, nunca vivi sem uma paixão ou um amor...

E viva os seres que se apaixonam!
E viva os cheiros novos!

beijos,
se cuida.

Jaguarito disse...

isso acontece, também, quando se conhece alguém que eu achava que conhecia durante o período de tempo em que ficamos juntos, mas depois de separados por dúvidas e incertezas, enxergam a possibilidade de uma nova história, um novo amor...será?

Algumas coisinhas da Jéssica disse...

Oi, querida!
Adorei o texto!Engraçado, energético, triste, alegre e verdadeiro!
Eu amo "... E o vento levou"! Amo, amo, amo!!!!!!!!!!
Estou adorando as histórias da menina!
Saudades...

Prof. Robinson disse...

Final feliz digno dos clássicos.

Vida parecida, mas a minha tá mais pra Casablanca e as pessoa dizem que eu estou magro e preciso comer melhor.

Final feliz às vezes eu tenho, mas como nos contos de fada o meu acaba no pra sempre - ironia literária eu acho.

E eu te conheci por bunda do filme, mas agora é a menina que ri. Mudaria o Brasil saber que por trás de toda bunda existe uma menina que ri e chora e que se acha gorda e sofre e também tem finais felizes. Mudaria o mundo. Mas o mundo não está pronto para mudar - a as excessões - os finais felizes - são sempre mais interessantes por serem a excessão à regra. Por isso "Viva a regra da excessão".

iReverend

Ana Clara Viana disse...

Final feliz!![2] ^^
Amooo tudo que você escreve Peulaaa!